sábado, 9 de junho de 2018

09/06/2018 - Fui até o estado de São Paulo e já voltei

Há algum tempo eu e alguns colegas fizemos pedais até Guaratuba - PR. Brincávamos com os títulos das atividades escrevendo: "fui até no Paraná e já voltei". E era exatamente o que acontecia, pois a divisa dos estados fica a aproximadamente 50 km daqui. Mas há alguns anos comecei a ter algumas ideias e isso é um perigo. O litoral do Paraná não é muito extenso e o próximo estado é São Paulo. Tentei criar uma rota pelo litoral do Paraná para chegar até São Paulo, sem sucesso. Muitos manguezais, baias e praias fizeram o objetivo ficar mais distante. Comecei a traçar uma rota pelo asfalto. Como já fiz a Estrada da Graciosa 1 e Estrada da Graciosa 2, achei que 100 km a mais não seriam tão desafiadores assim. Anos atrás soltei o desafio no ar durante uma pedalada em Pomerode. Ir até a divisa Paraná / São Paulo. Ninguém levou muito a sério. Esse ano esse desafio começou a me incomodar de novo. Todo final de semana era uma desculpa diferente. Mas nessa semana comecei a arrumar a bike um pouquinho cada dia, pensando em tudo que eu precisaria. Comecei a me preparar com a alimentação e hidratação. Na sexta feira a noite, antes de sair para o desafio, quase desisti. Minha esposa pediu para que eu não fosse, mas quando ela percebeu que era isso que eu queria, ela me ajudou. Foi uma noite fria e longa. Dormi bem. Acordei ás 3:00 hs de sábado e fiz um café reforçado. Coloquei roupas compridas e deixei em casa o corta vento, sabia que pedalando iria esquentar e depois seria complicado carregá-lo. Me atrasei e saí por volta das 4:20 hs, fazia 10ºC.


Assim que acessei a BR-101 meu corpo começou a esquentar. Próximo a região do Rio Bonito levei o primeiro susto: um caminhão invadiu o acostamento e tirou uma "fina". Sobrou elogios para toda a família dele. O ritmo era constante e a temperatura estava agradável. Passei pela divisa Santa Catarina / Paraná e comecei a subir a serra.


Vi no GPS a temperatura baixando, mas para mim ainda estava bom. O dia clareou e parei atrás da antiga polícia para fazer um lanche. Funcionários da ALS me chamavam de louco e registravam fotos dos gramados branquinhos da geada.



Não demorou muito para eu sentir o friozinho "agradável" da serra também. Na verdade, eu não sentia mais os dedos das mãos e meu corpo começou a tremer. Resolvi pedalar para esquentar, mas estava difícil. O GPS registrou temperatura de 2ºC.


O problema é que agora tinham descidas. E descidas não ajudam a esquentar. Meu corpo tremia igual vara verde e eu passava isso para a bike que ficava toda desequilibrada. Eu tentava me concentrar para não tremer, mas era mais forte do que eu.


O sol começou a aparecer, bem tímido, e eu procurava alguma barraquinha de pinhão para me esquentar no fogo. Mas o único louco que estava na estrada era eu. Segui na passada pela faixa adicional, sem acostamento, visualizando a paisagem branca. Levei mais algumas "finas" de caminhões e comecei a ficar preocupado.



Era 9:00 hs quando avistei o eixo de contorno leste. Agora era "só" seguir pela BR-116 até a Régis Bittencourt.



A pedalada rendia. Tinha pouco vento e aqui o acostamento era bom. Em Piraquara tive o primeiro furo de pneu. Parei e fiz a troca da câmara.




Era 10:20hs e ainda estava bem frio. Parei para fazer um lanche mais reforçado. A paçoquinha e bananinha não estavam mais descendo rsss.


Campina Grande do Sul - PR é a cidade que faz divisa com Barra do Turvo - SP. Isso prejudicou um pouco o psicológico pois parecia que o objetivo estava tão próximo, mas na realidade faltavam muitos quilômetros e horas de pedal.


Cheguei na entrada da Estrada da Graciosa, mas hoje passei direto.


Da estrada vi os morros que já subi tempos atrás como o Camapuã e Tucum. Também vi o Pico Paraná, mas é difícil registrar um ângulo bom de tão longe e pedalando.



Começou o sobe e desce de novo. Os problemas são as faixas adicionais. A maioria respeita o espaço para o ciclista, mas o meu medo é a minoria. Nessas horas a gente lembra de fazer oração e faz até promessa.


Cheguei na ponte sobre a Represa do Capivari.







Estava muito ansioso para chegar logo no destino. Parei em um posto para comprar isotônicos e fazer mais um lanche rápido. Perguntei para a atendente quantos quilômetros faltavam para Barra do Turvo, na esperança do meu GPS estar errado. Mas a resposta foi certa: 40 km.



Alô, manda um táxi.
Notei que as placas da rodovia estavam em ordem decrescente: 40, 39, 38....putz, não devia ter notado isso, que tortura. Agora estava muito quente, 18ºC, e a pista era um tobogã, para a minha preocupação. Nos últimos 20 km o vento virou, ficou contra e eu me desgastava mais ainda. Depois de uma descidinha e de 212 km, avistei a bendita placa e o meu objetivo: São Paulo.




Depois de algumas fotos, atravessei a passarela e parei em um ponto de ônibus bem precário para fazer o lanche. Era 14:00 hs.


Três meninos desceram o morro correndo e vieram falar comigo. Parecia que eu era um visitante ilustre, ou alguém muito importante. Olharam minha bike, perguntavam o que eu fazia, de onde eu vinha e para onde eu ia. Falei: "eu só vim tirar foto daquela placa ali, já estou indo embora".


Faltava ainda eu concluir o objetivo principal: voltar para casa. A esperança do vento a favor se concretizou e mesmo cansado o pedal rendeu nesse começo de retorno.



Mas a alegria durou pouco e senti o pneu traseiro murchar. Novamente um pentelho de aço cravou no pneu furando a câmara.



Assim que retomei a pedalada notei que a pista era bem melhor nesse sentido. As faixas adicionais da pista tinham sempre uma "área de escape" ou um pequeno acostamento. Assim evitava dos caminhões passarem esbarrando no guidom da bicicleta.


Comecei a passar pelos mesmos lugares e via as mesmas paisagens, agora por um ângulo diferente.




Antes de anoitecer fiz mais um lanche reforçado e assim que retomei o pedal fiz o último registro dessa aventura.


A medida que eu me aproximava de São José dos Pinhais a estrada ficava mais tensa. O movimento de carros e caminhões triplicou. Muitas entradas e saídas de pistas exigiam atenção e reflexos rápidos. Eu não sabia muito bem onde estava, achei que estava chegando na BR-376 e quando percebi não tinha nem chegado na BR-277 ainda. Muitas coisas começaram a passar pela minha cabeça. Levei muitos sustos na estrada e pensei em voltar de ônibus, ligar para alguém. Me arrependi do que eu fiz, achei totalmente desnecessário, uma verdadeira loucura. Pra quê se arriscar desse jeito? Poderia estar em casa. Poderia ter pedalado no quintal de casa. Agora eu estava largado a noite, longe de casa, com frio e com medo.

Ás 19:15 hs cheguei na BR-376. Esse é caminho da roça, pensei. Eu sabia que estava longe. Já tinha planejado chegar á meia noite em casa. Consegui me livrar dos pensamentos ruins e pensar positivo.

Passando pelo pedágio da região de Contenda levei mais um susto. Não percebi o estreitamento de pista e ausência do acostamento em um trecho. Como é uma descida, eu acelerei, mas saí da pista e a bike pulava mais do que cavalo em rodeio. Subia pequenos montes de terra, descia, pulava e eu não conseguia parar a bike. Já estava me posicionando para cair, colocar as mãos na frente ou cair de costas? Não sei como, mas voltei para a pista, sem nenhum arranhão e com a bike embalada.

Depois do susto fiz minha penúltima parada para mais um lanche e comecei a analisar os números. Estava tudo dentro do cronograma, eu não poderia ter mais imprevistos para fazer a última parada na ALS de Garuva e chegar em casa no horário. Isso renovou minhas forças e segui pedalando até no topo da serra, quando parei apenas para substituir a bateria da lanterna.

Desci a serra de boa, sem trocar muito de pista, queria apenas descer tranquilo. Encostei atrás de um caminhão que descia a uns 50 km/h. Era o suficiente para eu ficar tranquilo e mais aquecido. Assim que começou o acostamento deixei o caminhão ir embora. Já brigava com o sono e meus reflexos estavam lentos. Cheguei na ALS de Garuva. Usei o banheiro e tomei um café quente. Era 22:00 hs e fazia 12ºC.

Mesmo perto de casa a briga psicológica era grande. Eu imaginava acessando a rua do meu bairro, da minha casa. Logo eu estava passando pelos lugares que antes pareciam tão distantes. Ás 23:50 hs cheguei em casa com 423 km rodados. Minha esposa me aguardava.

Diante de tudo o que passei, se isso é necessário ou não, uma coisa é verdade. Depois de superar um desafio desses, a gente aprende a dar mais valor às coisas simples que temos como: um banho quente, roupas secas, cama confortável, arroz e feijão.

Quero agradecer minha esposa pelo apoio que tem me dado, aos meus amigos de treino, a todos que deixaram uma mensagem na minha atividade, meus familiares, todos os meus seguidores do blog e outras redes sociais e ao meu anjo da guarda que passou trabalho nesse dia. Muito obrigado!

Confira minha pedalada no Garmin:

Confira minha pedalada no Strava:

6 comentários:

  1. Você é um ciclista de muita coragem e determinação. Gostaria muito de conhecer um parceiro assim como tu. Fiquei muito emocionado ao ler seu relato. Parabéns meu amigo. Deus te abençoe

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    1. Muito obrigado pelo contato e pelas palavras Israel. Deus te abençoe também.

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  2. Cara que lokura esse teu relato.. parabéns pela audácia e determinação...tenho orgulho de ser teu amigo ...

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    1. Obrigado Cassiba. Tive bons professores e você é um deles. Abração.

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  3. Que pedal! Que relato! Que fotos! 420km sozinho, ta de brincadeira altimetria 5.300m, fechando em tempo de prova, passando por todas sensações climáticas, pedalar o dia inteirinho e praticamente duas noites...nunca mais faça isso! Pelo menos não sozinho, me leva junto!!! Parabéns vc é meu Ídolo!

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    1. Cara, foi uma loucura mesmo! Me bateu o arrependimento, mas depois tinha que terminar a cilada que eu tinha me metido. Lembrei das nossas loucuras na madrugada: Audax, Madre Paulina, Rio do Rastro entre outras situações. Mas isso está no nosso sangue né? Não sei se é a gente que procura isso ou se são as aventuras que procuram a gente kkkk.

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